terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

POSSIBILISMO URBANO



Possibilismo urbano

Para uma análise do Fenômeno urbano, Lefèbvre (2002, p.77) sugeriu que a sociedade urbana deveria ser compreendida em três níveis: o global, misto e privado. Desta forma pode-se perceber a linguagem do urbano em relação a suas formas e estruturas, compreendendo suas funções, que tem relação com o espaço vivido e que muda conforme o passar do tempo. As maneiras como as sociedades se organizam é o que dá a forma aos espaços, seja material, através de monumentos e espaços sagrados, assim como , imaterial, espaços de convivência e que têm algum significado particular para as pessoas. Desta forma, a sociedade urbana analisada em seu nível global, diz respeito ao poder do estado como vontade e representação através de estratégias políticas, estratégias baseadas em lógicas, que buscam a organização do espaço urbano, subordinando-o às lógicas de mercado e produção global. No nível misto, analisa-se a cidade, sendo este o nível especificamente urbano, que procura através das formas entender as relações de uma cidade, sua organização e estrutura, que hierarquiza os espaços, que são produtos do nível global como: prédios públicos, monumentos, etc. e do nível privado, os imóveis privados.
Para analisar o espaço urbano e a relação de sua estrutura com suas formas e funções, deve-se entender como essa relação de níveis de análise se dá ao longo do tempo, ou seja, da história, pois o urbano reflete as vontades do estado para com a sociedade, em determinado tempo, assim como as reações dessa sociedade ao estado e ao próprio sistema de produção, que transforma e reorganiza os espaços conforme seus interesses, a sociedade que ali vive, seja na criação de bairros ou loteamentos para a habitação de trabalhadores, como para, o habitar da classe que detém os meios de produção e procuram refúgio e tranquilidade. Assim a cidade, além da moradia e de palco para as ideologias do estado, torna-se um centro administrativo, presa a uma grande teia ou rede de comunicação física ou virtual, onde se confunde os espaços ( o espaço econômico, da informação, das ideias, do transporte, do mercado...), sendo altamente complexa as relações de sua funcionalidade, pois a sociedade que nela vive é dinâmica em suas relações não sendo algo estável e sim sempre em movimento, seja aumentando a dinâmica das relações internas e externas em relação aos modos de produção e a própria cultura, como a estagnação e retraimento. No mundo capitalista, cada cidade tem em si um potencial estratégico seja para produção, como para a intermediação, sendo usadas através de uma lógica global como sede ou apenas sendo extensão de uma firma, isto lembra o determinismo de Ratzel, pois dependendo da localização, clima, condições pedológica, geológicas, assim como, a cultura da sociedade, este centro urbano terá suas características utilizadas por determinados interesses de produção, com os recursos naturais que estiverem disponíveis, assim como a mão de obra. Mas também moldadas conforme o sistema produtivo da indústria que ali se instala.
A sociedade de uma determinada cidade, ao longo de sua história, marca suas visões ideológicas, seus interesses e marca sua cultura através de suas edificações públicas, e seus aparelhos urbanos (praças, ruas, avenidas...), estruturando um sistema urbano, dando funções específicas a cada forma, e caracterizando uma identidade. As funções são alteradas, mudam de lugar e forma, seguindo atualmente uma tendência ideológica de mercado global, que atende aos interesses das grandes firmas hegemônicas e que estimulam o consumo e a não-cidadania, alienando os habitantes com a “muita” informação,através de uma mídia que estimula o consumismo e com as mudanças vertiginosas de tendências e modas. Nem todas as relações do urbano estão ligadas ao mercado, à economia e ao capital. As vivências, a cultura do povo que ali vive, estão intrinsecamente ligados a sua herança cultural e étnica dos que a colonizaram e a fundaram, sendo transformada ao longo do tempo. A cidade sendo vista como espaço social demonstra a sua capacidade de ser peculiar, assim como cada um de seus habitantes o são, este conjunto de ideias resultam em uma identidade urbana que se reproduz. As relações de vizinhança, os bairros que servem para a habitação de trabalhadores, favelas etc., podem fazer com que ajam certos ciclos, como por exemplo:as áreas periféricas onde os que estão a margem do sistema por não terem capacitação mínima para vender sua força de trabalho, vivem na pobreza e entram em um ciclo da pobreza, do qual não conseguem sair, devido à reprodução social e alienação devido a falta de informação e de estímulos representativos em suas vidas. Os diferentes espaços dentro da cidade são criados conforme o desejo e as condições daqueles que os criam, mas estes espaços naturais transformados morfologicamente, também transformam os indivíduos que ali vivem, que o transformam em espaço vivido, que lhe atribuem uma função, estas funções e relações deixam marcado no espaço seus signos e códigos.
Através deste entendimento do espaço urbano, fica difícil limitar possibilidades de análise, pois no espaço urbano, sua infraestrutura e suas normas de utilização, fazem com que a circulação de ideias, seus intercâmbios e os espaços, estejam sempre em movimento, coagindo, se cruzando e super pondo-se, fazendo com que cada indivíduo tenha uma percepção diferente do espaço, que se comunica através de suas obras materiais e imateriais, que deixa signos, expressões de um momento na história, que regulam o espaço vivido, transformando-se dialeticamente, entrando em crise e se reorganizando em uma constante equilibração de interesses, do Estado e dos interesses privados. No urbano, a contradição e a contrariedade das ações do privado e do público, em função do dinheiro, fazendo da mais valia sua principal fonte de lucro, faz com que as relações sejam sempre muito complexas criando segundo Lefebvre (2002, p.33), um campo cego das dimensões do urbano quanto ao seu cotidiano e suas relações sociais neste espaço, assim as análises podem ser sobre as “topias no espaço mental e social” ( Lefebvre, 2002,p. 98), sendo possível investigar as relações do espaço urbano nas mais variadas escalas de análise, sendo ora indutivo, ora dedutivo nas pesquisas para assim, conseguir um resultado mais equilibrado e menos especulativo. Sendo assim, pode-se dizer que há mais possibilidades do que limitações de análise do espaço urbano.

O partido e a ordem

Além de 2014 e a reeleição de Dilma, está em curso outra batalha: a conexão (ou não) do PT com uma nova geração de militantes por um Brasil mais justo.

Jean Tible (*)
Arquivo

Desencontro

Existe um – surpreendente? – desencontro entre as mobilizações recentes (as jornadas de junho que prosseguem de várias formas e intensidades) e o Partido dos Trabalhadores.

Algumas posições-ações petistas causam surpresa (apesar de não representarem o PT como um todo): torcida – explícita ou não – pelo fim das manifestações; avaliação que estas acabaram; flerte com as perigosas vias da criminalização das “ações violentas” (de manifestantes, não das polícias).

São posturas petistas contra natura, já que o PT nasce e vem desse mesmo lugar, das resistências, ruas, locais de trabalho, bairros, periferias, campo. O PT como criação “inédita”, por mesclar democracia e diversidade internas com uma nova forma de ocupar posições institucionais. Um partido-movimento; que vem perdendo fôlego.

Passados onze anos de governo federal – e inúmeras conquistas sociais e políticas –, um diagnóstico compartilhado por muitos militantes e dirigentes manifesta a imperiosa necessidade de transformação do partido. As manifestações são justamente uma oportunidade inédita – uma dádiva – para o PT pensar as “lacunas que persistem na reflexão partidária” (Convocatória do V Congresso).
 
Reflexão e ação. Em várias intervenções, Dilma, Lula e Rui Falcão declararam sua “abertura” aos protestos e às reivindicações das ruas-redes. Apesar dos cinco pactos propostos pela Presidenta (e da vinda dos médicos cubanos), tal abertura ainda permanece, infelizmente, antes de tudo retórica. 

Direito de lutar e manifestar

Talvez o principal desencontro se dê na falta de indignação frente às prisões arbitrárias de manifestantes que... manifestavam. Isso vai contra qualquer Estado democrático de direito e ocorreu em muitas cidades brasileiras, em vários momentos. Surgem, além disso, inúmeros relatos de perseguições cotidianas a vários militantes (e a suspeitíssima morte da atriz e diretora de teatro Gleise Dutra Nana, após um incêndio em sua casa em Duque de Caxias). Nenhuma fala contundente, nenhuma ação. Mesmo se esses fatos inadmissíveis são produto dos governos estaduais e suas polícias, várias intervenções desastrosas do Ministro da Justiça indicam um – implícito? – apoio à repressão suave em curso: “inteligência” contra “lideranças”, endurecimento da legislação.

Perdeu-se aí uma possibilidade de articulação entre lutas contra injustiças. Faltou uma posição mais contundente do PT pelo Estado democrático de direito, isto é contra a prisão arbitrária dos jovens (agora soltos, salvo um, o morador de rua Rafael Braga Vieira, não por acaso negro e pobre, condenado a cinco anos de prisão por carregar um frasco de desinfetante e outro de água sanitária, instrumentos de trabalho, na manifestação de 20 de junho), sem direito à fiança e com acusações frágeis para dizer o mínimo. Ademais, a crítica às condições carcerárias não se fez ouvir com força antes das injustas prisões dos petistas. Teria outra posição colocado os jovens manifestantes ao lado da revolta petista contra os arbítrios da AP470 e as prisões dos seus antigos dirigentes?

Quando a trágica morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade vem se somar à dezena de mortes já ocorridas desde o início dos protestos (inclusive uma, do camelô Tasman Accioly fugindo das bombas da polícia no dia em que Santiago foi atingido), isso se reforça. O terrível acidente – e dramático erro – leva a um linchamento. A violência policial parece ser vista como natural. Assim como as balas de borracha. O que deve ser debatido é, ao contrário, o uso de máscaras por parte alguns manifestantes e leis contra o “terrorismo”. Acabaram encontrando-se, surpreendentemente, do mesmo lado PIG, muitos blogueiros progressistas e setores do PT...

Algo mudou no país. O recorrente se tornou insuportável. Amarildo. Amarildos. Douglas. E muitos outros. Revoltas contra o continuum escravocrata do nosso país. No entanto, ao invés de pautar de forma contundente uma reforma das polícias (incluindo a desmilitarização da PM, projeto da esquerda derrotado na Constituinte de 1988 e novamente nos anos 1990), de provocar um debate nacional, o PT praticamente silencia. Essa reforma e uma nova política de drogas (incluindo a legalização da maconha e outras medidas visando separar seu consumo do crime organizado) são fundamentais para enfrentarmos o extermínio da juventude negra, assim como o atual encarceramento em massa.

Uma agenda de esquerda caminharia, a meu ver, rumo à afirmação de um Direito à luta e à manifestação. Nunca mais Pinheirinho, Tekoha Guaviry e muitos outros, incluindo o assassinato de um índio por semana desde 2003 (dados do Cimi).
 
Algumas propostas já estão em pauta no Senado, por iniciativa de Lindbergh Farias (proibição das balas de borrachas e desmilitarização da polícia). Uma regulamentação das armas menos letais como um todo (balas de borracha, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, etc.) poderia ser um bom começo. Temos bons exemplos ao Sul, na Argentina (armas menos letais) e no Uruguai (maconha).

Democracia, representação e participação

Parece-me que a única forma de aprofundar o processo de transformação em curso no Brasil está na conexão do partido com um fértil fenômeno que envolve a realização de assembleias horizontais e a ocupação de espaços públicos, legislativos – e até shoppings! – e à política (mais horizontal, distribuída) que anuncia uma nova geração, aqui e pelo mundo. Menos representação e mais participação. 

Trata-se de uma oportunidade de se repensar a participação popular e as dinâmicas sociedade-estado. Em que pese a importância, histórica e atual, da democracia participativa do modo petista de governar, esta não é mais suficiente.
 
O Orçamento Participativo teve um papel fundamental no difícil contexto dos anos 1990 para todas as esquerdas e buscava – numa das perspectivas mais radicais (Raul Pont) – colocar em xeque a “representação burguesa” a nível local (vereadores). Um esboço de soviet contemporâneo.


Hannah Arendt celebrava os conselhos como o “tesouro perdido da tradição revolucionária”, mas o fazia somente no sentido político e não econômico (este sendo inquestionável?). Paradoxalmente, o PT foi se aproximando de uma perspectiva “liberal” de participação. Temos o exemplo da Islândia (apesar das fortes especificidades desse país), onde uma revolta popular, seguida de um plebiscito, mudou a política econômica e depois a constituição com ampla participação dos cidadãos, inclusive pelas redes sociais. No programa do Partido X, criado a partir do 15M espanhol (indignados), aparece com destaque a ideia de uma democracia econômica.


Abre-se hoje o desafio de pensar o modelo produtivo e a participação neste campo. A abertura das planilhas, das companhias privadas de ônibus à geração e distribuição de energia. Criar novos espaços, tais como a reivindicação histórica da CUT em participar do Conselho de Política Monetária. Transparência (acesso aos dados) e participação na Petrobras, Eletrobrás e BNDES. As lutas abrindo os debates. Como foi decidida Belo Monte? Quais os investimentos na Amazônia? E as condições trabalhistas nas grandes obras? Que controle das empresas, públicas e privadas? Por que não temos uma política de esporte amador digna desse nome? Uma Copa e Olímpiadas participativas não teriam permitido as remoções em seu nome (Copa rebelde!).

A participação mais do que a representação envolve também pensar em mecanismos onde os usuários – da saúde, educação, transporte... – possam ter maior protagonismo, inclusive no controle social e – por que não? – gestão. Gestão das questões públicas para que se tornem realmente públicas, ou melhor, comuns...

Novos personagens. Desejo de mudar a política. Em ato, na prática. A abertura das planilhas do transporte metropolitano privado e outras somente são possíveis com mobilizações na rua. Isso vale também para as reformas “estruturais”, lei de mídia, reformas política, urbana, tributária ou agrária. Ou para aprovar, enfim, o Marco Civil da Internet, a reforma da polícia ou uma nova lei de drogas. Menos apelos (genéricos) às “grandes” reformas e mais ações concretas que apontam para essas mudanças que desejamos. Junho (que continua) permite pensar em novas formas de articulação entre lutas (ruas, redes e instituições). Onde o governo não tem “correlação de forças” para mudar certas políticas, o PT deve abrir os debates, mobilizar e ajudar a alterar a tal correlação de forças....


Além de 2014 e a reeleição de Dilma, está em curso outra batalha: a conexão (ou não) do PT com uma nova geração de militantes por um Brasil mais justo e livre e com sua potência democrática. 2014 pode ser “vencido” sem isso, o próximo período não. Tal desafio pede um partido vivo, isto é em contato com as lutas e aberto às transformações das novas vanguardas que surgem. Um diálogo entre um ator incontornável para uma democracia real no Brasil (o PT) e novas expressões de radical politização. Um partido participando das ocupações em curso. Ocupa PT?!


(*) Jean Tible é professor de relações internacionais do Centro Universitário Fundação Santo André

Agroecologia Urbana